quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Tradições do Soito - o fabrico do queijo

A pastorícia, a par da agricultura, sempre foi uma das actividades predominantes da nossa zona, sobretudo até ao final dos anos 60 do século passado, quando nas aldeias serranas se acelerou ainda mais o processo de desertificação já iniciado nas décadas anteriores.


Dentro dos vários produtos que associados a esta actividade (p.e. extracção de lã, venda das crias, consumo de carne, produção de estrume para as terras), destaca-se a produção de queijo, que salvo raras excepções era feito da mistura de leite de cabras e ovelhas, sendo que o primeiro era predominante, não só porque as cabras produzem maiores quantidades de leite, mas também porque a exiguidade dos terrenos aráveis e os respectivos declives, eram mais propícios a estes animais do que às ovelhas.

O fabrico ao queijo ocorria, predominantemente entre o mês de Fevereiro e mês de Julho, uma vez que era tradição a maioria das cabras e ovelhas parirem no final do ano / inicio do ano seguinte, após um período de gestação de 5 meses. Naturalmente que este período era o mais escolhido pelos donos do gado, a fim de que o período de crescimento das crias / produção de leite, se ajustasse ao período de maiores e melhores pastagens, que se verificava sobretudo a partir de Fevereiro do ano seguinte.

A extracção de leite iniciava-se 2/3 semanas após o nascimento das crias, que assim ficavam privadas de parte do seu alimento destinada a alimentar os seus donos, de forma directa, ou indirecta através do fabrico de queijo. Para o efeito as crias, cabritos e cordeiros, eram fechadas, sobretudo durante a noite, num compartimento específico dento do curral, designado de “prisco”

Pela manhã, quando as cabras e ovelhas já estavam de amojo cheio, procedia-se à ordenha, por norma para um recipiente de lata (a lata do leite), libertando-se então as crias que durante boa parte do dia tinham direito à totalidade do leite para a sua alimentação. Porém e logo que as crias se iniciavam na alimentação sólida, o período de clausura do “prisco” tendia a aumentar, a fim de que os respectivos donos pudessem extrair mais leite.

Este leite, após ser coado, a fim de filtrar algumas impurezas adquiridas na fase da ordenha, sobretudo pêlos dos animais, era adicionado de uma determinada porção de água, após infusão a frio da flor do cardo, planta existente na zona com características coagulantes, a fim de coalhar o leite.

Sobretudo nos dias de mais baixas temperaturas, o leite era colocado junto à lareira ou ao fogão de lenha, a fim de obter a temperatura necessária para ficar bem coalhado, ou seja com uma textura adequada ao fabrico do queijo. O tempo de coagulação do leite dependia da quantidade de cardo e da temperatura a que estava exposto, numa relação directa. Mas se bem me lembro variava entre 1 e 2 horas.

Após estar suficientemente coalhado fazia-se o queijo, sendo que esta era uma tarefa doméstica e por isso executada maioritariamente pelas mulheres. O processo de fabrico exigia um prato, sobre o qual se colocava um acincho (forma redonda aberta dos dois lados de diversos tamanhos conforme o tamanho do queijo pretendido e/ou a quantidade de leite existe) e as mãos bem lavadas.

A coalhada era colocada dentro do acincho em pequenas porções e ia sendo espremida pelas mãos, à medida que uma camada estava suficientemente espremida colocava-se a outra, virando-se o acincho do outro lado, até o queijo estar completo. O processo de prensagem assim efectuado é fundamental para que o queijo atinja a textura e o sabor desejados.

Concluído o queijo, era colocada a quantidade de sal desejada, ficando o mesmo dentro do acincho até ao dia seguinte, sendo então consumido fresco ou colocado numa queijeira (suporte em madeira), a fim de adquirir a secagem desejada ou de acordo com as necessidades de consumo mais ou menos imediatas.

Uma vez que a época do queijo terminava nos primeiros meses de Verão, o queijo para o resto do ano era sujeito a um processo de secagem mais longo, sendo posteriormente conservado em azeite dentro de talhas de barro.

O soro obtido após a extracção da coalhada para o fabrico do queijo, que na nossa zona se chamava “almece”, era aproveitado e comido com migas de broa, sobretudo pelas famílias mais carenciadas.

António Duarte

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